domingo, 17 de junho de 2012

Chorar em público revela mulher superior


Anna Karina no filme "Viver a vida

Eis mais uma, entre as tantas, vantagens das fêmeas sobre os marmanjos: a coragem, o destemor, a arte de chorar em público.
Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços, esses moços, pobres moços…
Não guardam as lágrimas para depois, como nós, que sempre adiamos as cachoeiras interiores, não levam as lágrimas para derramar escondidos na alcova.
Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança.
As mulheres não, falo da maioria das fêmeas, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente desabam.
Como invejo as lágrimas sinceras das moças.
Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em queda d´água, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.
Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama furioso da existência.
Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.
Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares e chorarem um atlântico diante de uma indelicadeza da vida.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos cafés, nos bares, nos restaurantes, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros.
Triste dos que acham que não levam a sério, que tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece.
Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o sal da existência, romanticamente, sem medo de ser ridículo ou cafona.
Acabei de testemunhar uma dessas lindas e corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista.
Por que chorava aquela moça?
A moça não escondia os soluços do choro. Terá discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora.
Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngue, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas belas”.
Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria visto o casamento pelo binóculo do titio Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres?
A moça que chorava sabia que o amor é como o metrô na avenida Paulista: começa no Paraíso e termina na Consolação.

Xico Sá.
24/02/2012.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Vale a pena?


Rodrigo Bico - Vale a Pena



“Vale a pena viver, quando se é comunista”.
(Antonio Gramsci)

Quando a noite parece eterna
e o frio nos quebra a alma.
Quando a vida se perde por nada
e o futuro não passa de uma promessa.

Nos perguntamos: vale a pena?

Quando a classe parece morta
e a luta é só uma lembrança.
Quando os amigos e as amigas se vão
e os abraços se fazem distância.

Nos perguntamos: Vale a pena?

Quando a história se torna farsa
e outubro não é mais que um mês.
Quando a memória já nos falta
e maio se transforma em festa.

Nos perguntamos: vale a pena?

Mas, quando entre camaradas nos encontramos
e ousamos sonhar futuros.
Quando a teoria nos aclara a vista
e com o povo, ombro a ombro, marchamos.

Respondemos: vale a pena viver,
quando se é comunista.


Mauro Iasi.
Mau

sábado, 2 de junho de 2012

Neguinho


Interprete: Gal Costa.
Composição: Caetano Veloso.

Neguinho não lê, neguinho não vê, não crê, pra quê
Neguinho nem quer saber
O que afinal define a vida de neguinho
Neguinho compra o jornal, neguinho fura o sinal
Nem bem nem mal, prazer
Votou, chorou, gozou: o que importa, neguinho?

(Refrão)

Se o nego acha que é difícil, fácil, tocar bem esse país
Só pensa em se dar bem - neguinho também se acha
Neguinho compra 3 TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz
Neguinho também só quer saber de filme em shopping

(Refrão)

Se o mar do Rio tá gelado
Só se vê neguinho entrar e sair correndo azul
Já na Bahia nego fica den'dum útero
Neguinho vai pra Europa, States, Disney e volta cheio de si
Neguinho cata lixo no Jardim Gramacho

Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo
Mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo
Nego abre banco, igreja, sauna, escola
Nego abre os braços e a voz
Talvez seja sua vez:
Neguinho que eu falo é nós

Rei, rei, neguinho rei
Sim, sei: neguinho
Rei, rei, neguinho é rei
Sei não, neguinho.