As imagens nos falam, e
só resta a nós sair do mundo humano, construído, e deixar que as imagens nos
questionem. Isso mesmo, que elas também nos observem e que elas também nos
falem. É preciso deixar que cada momento seja único, cada minuto apreciado,
inspirado, expirado, respirado, conversado.
Cézanne pensava que ao
pintar era preciso esquecer todo o resto. Há um minuto do mundo que passa e
esse deveria ser pintado, dizia Cézanne. Devemos dar à imagem aquilo que vemos,
mas quase nunca isso é possível, sempre quando olhamos a imagem milhares de
pensamentos tomam a nossa cabeça. Uma meditação sobre o mundo que nos cerca nos
é revelado a cada parada que fazemos para contempla-la.
Mas antes de tudo,
sabemos que não podemos mais fugir disso, é essa a realidade que nos rodeia,
não nos permite mais sermos inocentes, nunca, já nascemos com a obrigação de
saber, de conhecer. Não podemos pintar a imagem como ela é, por que não podemos
ser ignorantes por que queremos, não podemos ignorar todo o mundo em que
vivemos.
Toda imagem é uma forma
de mostrar o que se tem em frente aos olhos, ou mesmo o que construímos em
nossas cabeças. Mas é antes, expressar o que sentimos, e a realidade que
vivemos. Expor no visível o que nos transborda no peito. Não importa que seja
na pintura, nos desenhos ou mesmo na fotografia. Em qualquer imagem sempre
estará lá o reflexo dos momentos e acontecimentos, dos sentimentos,
inspirações, expirações e respirações.
E precisamos sempre
esperar que tudo isso que é posto nas imagens nos faça sentido. Que paremos e
repensemos nosso mundo, nossa realidade e nossa historia, é preciso sempre
reconstruir, ou mesmo construir o novo a partir das imagens que vemos a todo o
instante, mas principalmente aquelas que paramos por pelo menos um minuto para
observar.
Mas é necessário antes
que entendamos que não só nós que estamos a observar. Elas também nos olham.
Quantas vezes já nos percebemos como observados pelas imagens que nos cercam?
Quantas vezes foram as imagens que falaram a nós?
Merleau-Ponty nos
falava isso quando tratava de Paul Cézanne. Há quem imagine que seria obsessão
de Cézanne com o Mont Sainte Victoire, o qual ele pintou cerca de sessenta
vezes. Ponty entendia de outra maneira. Ele dizia: é a montanha que, desde lá
longe, se faz ver ao pintor. Era essa montanha a quem Cézanne incansavelmente questionava.
Era ela que fazia ele a ver. Ela o chamava, falava com ele, e ele a interrogava
a cada minuto. O que a faria dela visível montanha?
O que tanto aquela
imagem transpassava Cézanne? O pintor deve ser transpassado pelo mundo, pois
este é o mundo que fala ao pintor, e este deve estar de ouvidos apostos sempre
para ouvir tudo o que o mundo e as imagens estão a lhe dizer, e assim
questiona-las, e construir sua historia.
Merleau-Ponty
completava que já não sabemos quem é que vê e quem é visto. É como um fluxo,
inspiração e expiração do ser, respiração no ser. Diz Ponty que a ação e a
paixão estão pouco discerníveis que já não sabemos quem vê e quem é visto, quem
pinta e quem é pintado. É o próprio pintor que está ali naquela imagem, quando
pinta não pinta só o mundo, pinta sua historia e ele mesmo.
Assim também era
Cézanne, que não pintava apenas o Mont Victoire, pintava ele mesmo, e todas os
seus questionamentos e aquilo que a própria imagem, o próprio monte o
questionava.
E aqui também me ponho
a pensar se a fotografia não é também a superação da imagem capturada pela
lente, para algo que fala e que estava a nos observar. Aqui me lembro de uma
serie de fotos que fiz do pequeno sitio do meu avô. Assim como Cézanne algo me
chamava atenção na serra que fica ao sul daquele lugar, ela me falava e me
questiona algo. E nesta serie de fotos em muitas ela se fazia presente, como um
elemento que não poderia faltar, mesmo que em segundo plano.
O que aquela imagem me
falava? Não tenho certeza. Mas algo nela me atraia, me chamava. E talvez assim
como nas pinturas, eu não fotografasse apenas aquela imagem que me falava, eu
fotografasse eu mesmo, a minha história, todos os questionamentos que ela me
fazia sempre que eu parava para observa-la, a minha vontade incontrolável de
estar naquele lugar, no sitio de meu avô, talvez fosse pra ouvir aquilo que aquela
serra me dizia, para olhá-la, para ter inspiração e expiração do ser,
respiração no ser.
Logo quando
compartilhei uma dessas fotografias com amigos, uma comentou: Essa serra aí
atrás faz parte da minha história, desde a infância eu olho pra ela do terreiro
da minha casa. E eu percebi que ela não fala só a mim, que ela fala a todos
aqueles que pararam para observá-la.
Esta imagem de Cézanne
me trouxe a tona que eu também tenho uma serra que me fala, que me ajuda a
construir minha história, e não só a minha. E eu me coloco agora a me
perguntar: de que maneira seria aquela serra se, assim como Cézanne que pintava
a sua montanha da maneira que ela aparecia para ele, eu fosse pintar a serra
que parecia para mim? Que espaço aquela imagem, que desde a minha infância eu
obsevo, ocuparia na minha pintura?
Só tenho a dizer que as
imagens nos falam, nos questionam, que elas nos inspiram e expiram, que elas
nos fazem respirar. Nos resta observá-las e permitir que elas nos falem.
Pablo Vinícius
de Oliveira Albuquerque.
Fotos: Pablo Vinicius de Oliveira.
Referencias:
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. In: Questão de Crítica: revista eletrônica
de críticas e estudos teatrais. Trad. Daniele Avila. 10 mai. 2008. Disponível
em: .
Acesso em: 11 nov. 2013 às 01h05min.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito.
São Paulo, Cosac & Naify, 2004.
DE LIMA, João Tiago Pedroso. Maurice Merleau-Ponty, Paul Cézanne e o Problema da Essência da Pintura. Disponível em: <http://www.uc.pt/fluc/dfci/publicacoes/maurice_merleau>. Acessado em: 26 de Nov. 2013 às 09h00min.