Volta, mais uma vez
e sempre, à imagem daquela mulher deitada no divã; ela não lhe lembrava ninguém
de sua vida de outros tempos. Não era nem amante nem esposa. Era uma criança
que ele retirava de uma cesta e que depositara na margem da sua cama. Ela havia
adormecido. Ele se ajoelhara ao seu lado. Sua respiração febril se acelerava e
ele ouviu um leve gemido. Encostou o rosto no dela e sussurrou palavras
reconfortantes enquanto ela dormia. Alguns instantes depois, sua respiração se
acalmou e seu rosto se levantou maquinalmente em direção ao dele. Sentiu nos lábios
o cheiro um pouco acre da febre e o aspirou como se quisesse se impregnar da
intimidade do corpo dela. Imaginou então que fazia muitos anos que ela estava
na sua casa e que morria. De repente, pareceu-lhe evidente que não sobreviveria
à morte dela. Deitou-se ao lado para morrer com ela. Movido por essa visão,
enfiou o rosto no travesseiro, junto ao dela, e assim ficou por muito tempo.
Agora, Tomas está
de pé à janela e relembra esse instante. O que se revela assim, senão o amor?
Milan Kundera - A Insustentável Leveza do Ser.