domingo, 27 de maio de 2012

(...)


Volta, mais uma vez e sempre, à imagem daquela mulher deitada no divã; ela não lhe lembrava ninguém de sua vida de outros tempos. Não era nem amante nem esposa. Era uma criança que ele retirava de uma cesta e que depositara na margem da sua cama. Ela havia adormecido. Ele se ajoelhara ao seu lado. Sua respiração febril se acelerava e ele ouviu um leve gemido. Encostou o rosto no dela e sussurrou palavras reconfortantes enquanto ela dormia. Alguns instantes depois, sua respiração se acalmou e seu rosto se levantou maquinalmente em direção ao dele. Sentiu nos lábios o cheiro um pouco acre da febre e o aspirou como se quisesse se impregnar da intimidade do corpo dela. Imaginou então que fazia muitos anos que ela estava na sua casa e que morria. De repente, pareceu-lhe evidente que não sobreviveria à morte dela. Deitou-se ao lado para morrer com ela. Movido por essa visão, enfiou o rosto no travesseiro, junto ao dela, e assim ficou por muito tempo.
Agora, Tomas está de pé à janela e relembra esse instante. O que se revela assim, senão o amor?


Milan Kundera -  A Insustentável Leveza do Ser. 

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