Anna Karina no filme
"Viver a vida
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Eis
mais uma, entre as tantas, vantagens das fêmeas sobre os marmanjos: a coragem,
o destemor, a arte de chorar em público.
Se o choro vem, as mulheres não congelam as
lágrimas, como os moços, esses moços, pobres moços…
Não guardam as lágrimas para depois, como nós,
que sempre adiamos as cachoeiras interiores, não levam as lágrimas para
derramar escondidos na alcova.
Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além
de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança.
As mulheres não, falo da maioria das fêmeas,
desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no
escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente
desabam.
Como invejo as lágrimas sinceras das moças.
Quantas vezes a gente não se preserva, por
fraqueza, enquanto as lágrimas, em queda d´água, batem forte no peito machista
e viram apenas pedras do gelo do uísque.
Como invejo as mulheres que misturam sim o
trabalho com o drama furioso da existência.
Desconfio da frieza profissional, das icebergs
de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o
travesseiro solitário numa noite de inverno.
Ora, as mulheres podem ser infinitamente
poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares e chorarem um
atlântico diante de uma indelicadeza da vida.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em
público, nas ruas, nos cafés, nos bares, nos restaurantes, no táxi. São antes
de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o
mais verdadeiro dos choros.
Triste dos que acham que não levam a sério, que
tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo
os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece.
Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o
sal da existência, romanticamente, sem medo de ser ridículo ou cafona.
Acabei de testemunhar uma dessas lindas e
corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista.
Por que chorava aquela moça?
A moça não escondia os soluços do choro. Terá
discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de
trabalho sério, e chora.
Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de
secretária, exímia, bilíngue, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas
belas”.
Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria
visto o casamento pelo binóculo do titio Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me
traíres?
A moça que chorava sabia que o amor é como o metrô na avenida Paulista: começa no
Paraíso e termina na Consolação.
Xico
Sá.
24/02/2012.
Fonte: xicosa.blogfolha.uol.com.br/